Natal à porta. A maioria das famílias portuguesas refugia-se nos centros comerciais e grandes superfícies. E não nos iludamos: este já não é um efeito sazonal, mas sim um sintoma mais profundo da falta de gestão do espaço público.
Não foi só o comércio, mas sim a vida das cidades que parece ter-se deslocado definitivamente das ruas para o interior dos centros comerciais. Afinal, estes propiciam-nos a qualidade de vivência que em tempos caracterizava os núcleos urbanos. O verdadeiro centro cívico e cultural das cidades transferiu-se para os shoppings.
Nos centros comerciais, o acesso é normalmente fácil e o estacionamento quase sempre gratuito. No seu interior, a limpeza é regra. Ao abrigo de qualquer intempérie meteorológica, circula-se confortavelmente e em segurança. Há acessos para pessoas com mobilidade reduzida e carrinhos de bebé. Os pequenos problemas que as famílias enfrentam, como a necessidade dum espaço para mudar fraldas ou levar miúdos à casa de banho, estão perfeitamente acautelados. Juntemos a isto a possibilidade de almoçar e jantar em conta, ou ainda assistir a um filme de estreia. Só aqui vemos implementado um novo conceito de centro cívico urbano.
Na outra face da moeda, temos as baixas das cidades, a que não se acede facilmente, onde o trânsito é habitualmente caótico. O estacionamento é inexistente ou caríssimo. As ruas e passeios estão em péssimo estado, fruto duma crónica ausência de manutenção e conservação. Os idosos correm perigo permanente de tropeçar num qualquer buraco. A via pública está imunda, resultado duma limpeza urbana ineficaz. Somos permanentemente abordados por arrumadores de automóveis e pedintes. Se um miúdo necessita de ir à casa de banho, está sujeito à fila interminável do café ou a ter de pagar o acesso a um desses "wc" tipo nave espacial. A oferta cultural é escassa, não há cinemas, os concertos e espectáculos são raros e têm quase sempre pendor elitista. Não nos admiremos, pois, pelo facto de os centros urbanos estarem em processo de morte lenta e o comércio tradicional em estado comatoso.
Enquanto isto, os representantes do comércio tradicional limitam-se a reclamar contra os centros comerciais. Atiram ao alvo errado. Mais do que tentar impedir o sucesso dos centros comerciais, deveriam era copiar a receita desse êxito. E queixar-se, em primeiro lugar, das câmaras municipais que se revelam incompetentes na gestão do espaço público.
in: JN 2008/12/10
5 comentários:
Tem piada que ainda ontem assisti a uma conversa desse teor. Perante um cliente que criticava os centros comerciais, a dona de uma loja da Baixa de Coimbra dizia precisamente o contrário e elencava um conjunto de medidas que a câmara podia tomar para alterar o estado das coisas. Muitas dessas medidas estão neste texto.
Tudo correcto... mas há prazeres que os centros comerciais não me conseguem dar: o vento gelado na cara ao percorrer a Visconde da Luz, o cheiro a castanhas assadas no Largo de Sansão, as queijadas de Pereira numa lojinha indicada por um amigo meu, os negalhos do Espanhol,as torradas da Central, a beira Rio em frente ao Astória.
Mas isto são apenas pormenores que não colmatam as lacunas do comércio tradicional da baixa. Falta o bom gosto nas lojas, a elasticidade dos horários, a aposta cultural centrada naqueles locais, mais e melhor animação de rua... enfim, muita coisa para a qual é necessário rasgo e dinheiro.
Ave Caesar
O Gaius toca em todos os pontos fundamentais nos quais estou plenamente de acordo.
Uma nota para os estacionamentos na cidade, diz a Alma da Gente que não há e são caros, mas em épocas como esta, de consumismo e concentração em massa de pessoas os centro comerciais deixam muito a desejar, com filas enormíssimas para estacionar, com voltas penosas em busca de um lugar para o carro, o tempo e mais tempo dentro da viatura na ânsia de um lugar que por vezes já quase estamos em estado de choque, porque não se consegue o dito “buraco”para meter o carro. Mais, a segurança dos veículos por vezes, e não tão poucas vezes como se pode pensar também é vandalizada, para roubo, ou por estragos na viatura, como exemplo riscos, amolgadelas etc.
Já dentro destes ditos centros comerciais, mas apeados torna-se muitas das vezes penoso circular, parecemos sardinha em lata, com filas em casas de banho, filas para um simples café, filas para provadores de roupa, filas para quase tudo, penso que se faz fila para nos podermos ouvir e respirar um pouco de ar aceitável, mesmo sem o fumo do cigarro. Por isso a baixa de Coimbra ainda tem o seu encanto, nem tudo é mau, nem tudo é bom. Mas é desgastante estar, ou entrar num centro comercial em épocas como esta!...
Podiam enviar para lá o Pinheiro, o dono da ACIM que ele tem grandes ideias luminosas.
Caro Egidio, o meu post não quis simbolizar nenhuma elegia ao comércio tradicional, mas antes uma chamada de atenção para este se inovar e revitalizar, nada mais.
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